“Um olhar educacional e filosófico sobre o poder de transformação através do conhecimento”
É fato que o cinema já retratou excelentes professores na tela grande. Aqueles que, com sua determinação não se detiveram frente aos obstáculos. Quando a história é baseada em fatos reais o trabalho destes educadores é ainda mais enaltecido. Escritores da Liberdade é um destes exemplos. Embora a proposta pareça tímida, frágil, senso comum e até infantil, a mensagem é extremamente inspiradora e enriquecedora. O campo minado da escola secundária Woodrow Wilson é a guerra de gangues na cidade de Los Angeles e todos os conflitos que ressoam a partir deste pavio de pólvora.
De um lado a professora Erin Gruwell (interpretada pela eterna Menina de Ouro, Hilary Swank), idealista, sonhadora e que de fato acredita na educação como forma de se sobrepor ao abismo social que muitos dos alunos estavam imersos. De outro lado, soldados em forma de alunos munidos de todas as armas disponíveis: agressividade, desrespeito, frustrações, descrédito na vida e nas pessoas, medo e muita revolta, usam dos ataques como forma de defesa. A exclusão e estigmatização dentro da própria escola por si só já era uma segregação no sentido de que o rótulo de fracassado já estava impregnado e era reforçado nestes alunos. É bastante claro as fases que os personagens vão atravessando durante o filme: todo o sonho da professora em realmente fazer a diferença na vida de seus alunos quando chega a escola; a frustração gerada pela tentativa de implantar um modelo de docência significativo para aqueles alunos totalmente desacreditados e a última fase de redenção por começar a ver o fruto do seu esforço transformando-se em muitas conquistas e avanços com a turma.
Erin assume uma turma que administrava muitos problemas e conflitos individuais: quase todos os alunos conviviam com uma realidade social bastante desfavorável, de famílias desestruturadas, envolvimento com gangues, venda de drogas, violência de todos os tipos, discriminação e conflitos étnicos por se tratar de um colégio que abrigava alunos que precisavam de integração social voluntária como medida sócio-educativa. Toda a realidade de fora era trazida para a sala de aula, o que refletia em comportamentos de indisciplina, insubordinação, desrespeito com a figura do professor e grande agressividade. Além da guerra diária travada em sala, outra também se formava dentro dos muros da escola, onde a total falta de apoio e de recursos mínimos dificultavam ainda mais o trabalho de Erin, pois a escola tratava os alunos como delinquentes, desinteressados e assim não merecedores de incentivo. Mas Erin persiste, e muito. Com um trabalho incansável e grande compromisso com a educação buscou todos os recursos possíveis para motivar aos alunos e transformar a dura realidade a qual pertenciam, despertando neles o sentido de sua existência e seu lugar no mundo.
Após um incidente em sala onde um aluno utiliza uma charge para expressar preconceito racial contra um colega, Erin inicia um trabalho sobre a obra ‘O diário de Anne Frank’, que trata dos horrores do Holocausto sob a ótica de uma menina de 13 anos. Erin propõe que cada um, a partir daquele momento tenha seu próprio diário para contar e expressar sua história de vida, seus medos e suas conquistas, e mais: que morrer sem deixar um legado é simplesmente apodrecer embaixo da terra. Com muita dedicação, Erin começa a conhecer e se aproximar da realidade de seus alunos e a recíproca também, pois os alunos começam a se comprometer com a mudança. Sempre incentivadora, a professora oferece a eles uma nova perspectiva humana e educacional, mostrando que seria possível transformar a realidade que viviam e assim lançar um novo e transformador olhar sobre suas vidas. Erin proporcionou a eles a ferramenta mais poderosa e forte que alguém pode ter: sua própria voz. Munidos de diários, canetas e muitas ideias, cada aluno no seu universo individual foi se abrindo para o novo retratando naqueles diários relatos de suas experiências. Erin consegue o fortalecimento da auto-estima dos alunos e sensibilizando cada um a perceber que o preconceito e a intolerância não fariam com que se libertassem de suas correntes. Assim consegue maior integração entre os alunos e certa redução da violência em sala. Gradativamente a turma apresentou um salto qualitativo na aprendizagem e na convivência mais harmônica, passando a ser construtores do próprio conhecimento e mais, aplicando estes ensinamentos em suas rotinas.
Filosoficamente Escritores da Liberdade traz um conteúdo muito mais profundo, que vai além de toda perspectiva pedagógica/educacional amplamente abordada no filme. O filósofo não é somente aquele que pensa, mas sim, aquele que age, que vivencia, que pratica os conhecimentos em pequenas atitudes cotidianas. O primeiro passo é estar receptivo para novas ideias, em seguida se abastecer de todo o conhecimento possível e não esperar grandes ou profundas transformações no mundo, mas sim, pequenas e constantes revoluções em nós mesmos. Que o maior agente de mudanças está dentro de cada um, não importa o tamanho do ato, mas a intensidade e o alcance da ressonância positiva que ele pode proporcionar. Ideias inteligentes com ações coerentes têm o poder de proporcionar resultados surpreendentes. O desenvolvimento de virtudes e valores, mesmo que lentamente, traz ao experimentador um refinamento em suas atitudes e comportamentos e assim, passa a filtrar o que de fato é importante e cabe em nossas vidas. Em uma cena da visita de Miep Gries que abrigou a família de Anne Frank durante o Holocausto, uma frase traduz exatamente o sentido real do filósofo: “uma secretária, uma dona de casa, um adolescente, podem dentro de suas limitações acender uma luz pequena numa sala escura.” Em seguida, sobre assumir a responsabilidade sobre nossos atos “eu fiz o que tinha que fazer porque era a coisa certa a fazer” e finaliza com “você é herói todos os dias” no sentido de vencer nossas pequenas guerras diárias faz parte de um grande processo de aprendizado com as experiências vivenciadas.
Escritores da Liberdade oferece importantes ensinamentos não só para educadores, mas para toda e qualquer pessoa que esteja disposta e disponível para desbravar novos horizontes em suas próprias vidas. Os diários da turma 203 da professora Erin Gruwell se tornaram cartas, que compiladas viraram o livro ‘O Diário dos Escritores da Liberdade’, publicado pela primeira vez em 1999, que posteriormente se transformou na Fundação Escritores da Liberdade, hoje presidida por Erin Gruwell. Sua vida e obra foram retratadas no filme Escritores da Liberdade lançado em 2007. Tem como premissa básica o resgate da educação em seu conceito mais amplo, além de extremamente fomentador de uma análise individual do nosso papel frente aos grandes desafios da nossa sociedade.
Fernanda Borges Freire
Aluna e voluntária de Nova Acrópole Goiânia
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